Sou um golfinho no mar
- Inês
- 4 de mar. de 2019
- 4 min de leitura

Muitos anos passaram desde o início da minha breve carreira musical, dos tempos gloriosos de digressão pelo recreio, não fosse a minha banda do terceiro ano um êxito na escola primária. Maças Verdinhas podia até não ser o melhor dos nomes para um trio musical em ascensão, mas considere-se que ainda nem sabíamos ler como deve ser, quanto mais explorar as opções artísticas e subtilezas da admirável língua de Camões. Acho lamentável que todo aquele potencial tenha sido desperdiçado, tantas letras inspiradoras e canções de fazer chorar. Obras de arte como, “Sou um golfinho no mar”, “Acordo de manhã”, “Tirar um olho a uma árvore” e ainda “Proglemas” (sim leram bem, não era problemas, no terceiro ano ainda era permitido dizer mal as palavras) deviam ter chegado aos tops nacionais, quiçá mundiais. Caso tenham sido fãs, lamento desiludir-vos, mas a banda não se vai voltar a reunir. Posso enviar uma t-shirt autografada, se vestirem tamanhos de criança e o vosso estilo for cor de rosa e com manchas por identificar. Desculpa mãe, para a próxima vou tentar não entornar leite com chocolate na roupa. Enfim, a mini diva que em tempos fui podia até ficar na sala de aula a escrever letras em vez de copiar a tabuada do três, mas por algum motivo um dia começou a ganhar vergonha de cantar. E assim foi, durante muitos anos evitei sessões de karaoke e as luzes da ribalta, tivesse eu continuado e nesta altura já tinha ganho um Grammy, mas é que de certeza. Só voltei aos palcos anos mais tarde, enquanto coralista envergonhada que temia que a maestrina a ouvisse, mais do que levar uma injeção. Foram seis anos de tons que por vezes mais pareciam a reencarnação do sapo Cocas em passarinho a cair das nuvens, de tão agudos que eram. Seis anos a crescer com o Coral Harmonia, a vibrar com cada um das dezenas de concertos e a aprender com cada uma das centenas de horas de ensaio. Fui muito feliz naquele grupo de pessoas extraordinariamente talentosas. Mesmo quando a maestrina me mandava repetidamente calar, que manter a boca fechada não era comigo, se não fosse a cantar era a conversar, às vezes as duas coisas ao mesmo tempo. E foi assim que fui perdendo a vergonha, ainda me lembro da minha primeira audição para um solo, estava tão aterrorizada que cantei atrás das cortinas fechadas. Só estavam três pessoas na sala de ensaios, por isso imaginem o estado de pânico total no dia do espetáculo. Toda eu tremia, no auditório não havia cá cortinas para me proteger dos olhares recriminatórios dos 200 espetadores. Apesar de tudo adorei a adrenalina, só lamento não me ter deitado em cima do piano de cauda, mas na altura não me pareceu recomendável dormir uma sesta sobre um instrumento frágil e caro, ainda que para fins culturais. No segundo solo da minha radiante carreira, ensaiava no banho, a dedicação era tanta que até colei uma mica com a letra na banheira, há que rentabilizar um tempo, além da acústica ser excelente. Conan Osiris, se me estiveres a ler, fica a dica para a Eurovisão, podes partir um telemóvel ou simplesmente levá-lo para o chuveiro, o resultado deve ser praticamente o mesmo.
As saudades do coro são tantas que a primeira vez que vi a tuna da minha faculdade ao vivo, quase comecei a chorar. Senti naquela atuação a mesma energia e espírito de equipa que durante anos me fizeram dançar o coração e as cordas vocais. A música é algo realmente incrível, capaz de nos transmitir sentimentos distintos de maneiras e em momentos completamente diferentes. Fascina-me a forma única como se escrevem pensamentos em pautas, como é possível interpretar e guardar fragmentos do fluxo inconsistente e constante que é viver. Acho que é assim que a arte funciona, mas a música é tão diversificada que acaba por se tornar mais abrangente. E depois há aquelas canções que poderiam ser a banda sonora de certos momentos das nossas vidas. Quem nunca chorou em posição fetal ao som de álbuns depressivos e dramáticos? Toda uma melancólica introspeção a ouvir Bad Day no autocarro ou alegre celebração enquanto Best Day Of My Life passa na rádio. Para não falar da nostalgia associada aos hinos que marcaram a nossa infância, uma pessoa até fica com vontade de ir ouvir FF ou Hannah Montana. Claro que eu não faço isso, eram só exemplos ilustrativos. Não me sigam no Spotify.
Tudo isto para dizer que lancei uma música original, nada baterá as que escrevia na primária, mas podem ir ouvir na mesma. O que aconteceu foi o seguinte. Rapariga começou a cantar na cozinha. Rapaz ouviu e gostou. Fizeram uma música chamada “Marinela”. É parva? Definitivamente. Divertiram-se? Com certeza. Decidiram começar uma banda. Meses depois lançaram o seu primeiro single. “Canção Roubada”. Escusado será dizer, que a “Marinela” é e sempre será a melhor música que eu e o João (Sr. Produtor) alguma vez faremos juntos. Só não a publicamos porque a letra é demasiado profunda e lógica. Infelizmente esta rapariga singela ficará eternamente à janela num dia estranho e raso como as cenas da novela. Ouçam o que vos digo, caros leitores, não há ninguém como ela nem nenhuma música como a dela, pode é não ser pelas melhores razões. Em alternativa, podem sempre ouvir a Canção Roubada e escrever-me uma carta dizer o que acharam ou simplesmente a ofender os meus dotes vocais. Ficaria extremamente emocionada com qualquer uma das alternativas. Entretanto, despeço-me melodiosamente rouca, isto do carnaval é muito giro, mas dispensava o friozinho que nos deixa quase afónicos. É o que dá pensarmos que estamos no Brasil, nem o aquecimento global nos safa.
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