Santo Uber que estais na estrada
- Inês
- 30 de abr. de 2019
- 3 min de leitura

Portanto, sem que nada o fizesse prever, eu fui uma das escolhidas. A ordem de sujeitos que iram taxistas, considerou-me digna de ser transportada por um motorista mocado. Obrigada, Uber, não sabia que lias o meu blog, mas adoramos uma boa intertextualidade. (Se o leitor não tiver percebido a referência escusa de continuar a ler, saltite alegremente até ao último post e volte uma pessoa mais cultivada e feliz). Ora, sendo eu a messias dos veículos de transporte privado urbano, soberana das rotas eficientes, senhora do chegou ao seu destino e imperatriz das gorjetas adequadas, tenho declarações a fazer. Andar de Uber ou táxi, que é quase o mesmo, mas com menos ostentação envolvida e mais capital associado, põe à prova os limites do constrangimento. É um pouco como andar num elevador sobre rodas em que o vizinho estranho evita contato visual e faz todo um inquérito acerca de um dos seguintes temas: música, friozinho, os horrores do trânsito ou itinerários fixolas. É mais ou menos como a tia Amélia, mas sem o cheiro a naftalina, que os motoristas preferem ambientadores em forma de palmeira. Não me interpretem mal, eu idolatro os tipos, este aplicativo de transportes que permite a busca de condutores através da localização, está para mim como o governo está para os impostos. É muito amor. São mesmo a carroça abóbora da minha Cinderela, a fada madrinha dos meus atrasos e a salvação em noites de bibbidi bobbidi buba. Por falar nessas noites mágicas, que nunca terminam em manhãs trágicas porque eu sou uma boa menina, se o vosso corpo estiver em álcoolus tottalis, ou seja em ausência absoluta de sobriedade, vão ser recusados por 7 Ubers. Ouvi dizer, isto nunca aconteceu a nenhuma das minhas amigas. Não conheço ninguém que já tenha sido carregado por 3 indivíduos rua e madrugada adentro. Muito menos me relaciono com pessoas que se deitam no passeio e pedem licença antes de vomitar. Os meus amigos só bebem suminho e copinhos de leite, Champomy em dias de festa, se os pais deixarem. De qualquer forma, estou solidária para com esta pessoa anónima com a qual não mantenho qualquer tipo de contacto, juro que ela não está à minha frente enquanto escrevo este texto. Quer dizer, condutores mocados é lindo, mas passageiros em semi-coma é último episódio da Guerra dos Tronos. Coerência, senhores, este blog não aprova descriminação de substâncias.
Eu até já andei de Uber com uma árvore de Natal e por mais que adore os produtos de origem vegetal da Ikea e ToysRUs artesanal da Lapónia, um beijinho para os meus leitores escandinavos, essa não foi a minha melhor viagem. Acontece que na semana passada a Uber impediu a minha morte iminente. Era domingo, as ruas vazias ecoavam o desespero do fim de semana a terminar. A noite desmaiava perigosamente sobre a cidade. Implacável. Silenciosa. Mortífera. Corria de mãos dadas com as trevas, jogava às escondidas com as ameaças. Uma jovem, por coincidência a autora deste blog, enchia os pulmões com os arrepios daquela noite gelada, expirando a antecipação dos horrores. Chegou a casa, onde as sombras dançavam nas divisões por ocupar, numa coreografia fatal e aterradora. Sozinha, esperava em agonia pelo momento em que os espíritos a convidariam para o baile. As paredes cheiravam ao que cobre os mortos, talvez tivessem fugido para a superfície, deixando um rasto de sofrimento e terra molhada. Uma campa acima do chão, onde só faltava um cadáver, o seu. Ou talvez a única coisa fértil naquele apartamento, fosse mesmo a sua imaginação. Não me julguem, quem nunca fugiu de casa à uma da manhã porque se assustou com o cheiro a bolor que atire a primeira pedra, ou a primeira vacina de penicilina. A verdade é que os motoristas da Uber deviam juntar-se aos Vingadores, ainda por cima agora, que eles estão com falta de pessoal. Ou então eu posso simplesmente aceitar que tenho assustadice aguda e nunca mais ver filmes de terror.
O mundo real é perigoso, no outro dia li nas notícias que duas raparigas quase levaram umas dentadinhas no traseiro, ao serem praticamente abalroadas por 3 cães bipolares. Tinham acabado de sair do metro quando vislumbraram o trio rafeiro que podia ser capa da Dougue de maio. As vítimas atravessaram a estrada, entraram literalmente na rotunda e pronunciaram a seguinte frase: “Estão cães na rotunda, mano”. Os lacaios do Satanás com pulgas, rapidamente lhes tentaram comer as perninhas, revoltados por elas não terem feito pisca. Claro está, que as jovens ainda tiveram direito a um assédio clássico, porque rotunda. Para a próximas vamos de Uber, ou melhor, elas vão, isto não é sobre mim. Eu jamais invadiria um espaço de circulação rodoviária onde o trânsito se processa em sentido giratório, só para estabelecer amizade com cães, isso seria estúpido… Mas eles eram tão fofinhos.
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