O Sonho Parisiense (versão rasca)
- Inês
- 3 de jun. de 2022
- 5 min de leitura

Caros leitores, hoje escrevo-vos de uma esplanada à beira Sena. Apenas eu, um copo de vinho inacabado e a serenidade do crepúsculo. Jamais conseguirei encontrar palavras que façam justiça ao sabor floral que me abraçou o paladar durante as últimas horas. Sauvignon blanc e os seus encantos.
Mas devo apressar-me, os minutos escasseiam e queria mesmo escrever-vos antes de me juntar ao Monsieur Dupont e seus ilustres convidados para mais uma soirée musical inebriante.
Permitam-me então ser breve e objetiva. A partir daqui tentarei manter-me disciplinada em matéria de devaneios e lirismos. A verdade, é que me mudei para Paris, adotei um cão com franjas e faço agora parte da elite literária da cidade. Levo uma existência humilde à base de colóquios e cigarros. É isso mesmo, leram bem, tornei-me em quem eu mais temia: na protagonista de um filme independente a preto e branco.
Ou isso, ou estou em Lisboa de pijama, com o cabelo semi oleoso, Halibut na cara e olhos tristes porque o sonho parisiense morreu. Mas quem é que disse que “La vie en rose” não pode ser uma nódoa de lixívia na sweat roçada que se usa para dormir? Deixem-me viver iludida em paz, se faz favor.
Já que estamos a falar sobre Paris, comecemos pelo princípio, ou seja pela Sport Zone. O quê, não sabiam que as melhores histórias sobre França começam em lojas de artigos desportivos portuguesas? Tomem notas que este é o tipo de trívia que vos pode dar jeito em concursos televisivos apresentados pelo Vasco Palmeirim.
Ora, eu e a minha irmã falamos um francês irrepreensível, se estivermos de boca fechada. A sério, estamos ao nível de um nativo, se o nativo em questão tiver menos de 12 meses de idade. Ainda assim, durante o seu part-time na Sport Zone a minha irmã aprendeu uma expressão fulcral: Sac?
É tão poético que ganhou o estatuto de mantra nas nossas vidas. Uns meses mais tarde, o nosso pai convidou-nos para ir a Paris e mal conseguíamos conter o entusiamo. Esqueçam a Torre Eiffel, o Louvre e até mesmo a Disney, íamos finalmente visitar a Saclândia.
Sim, nós fomos a Paris apenas e só pelos estabelecimentos comerciais com sacos, mas já que lá estávamos aproveitamos para visitar outros pontos de interesse. E foi esse o nosso erro. Permitam-me então apresentar-vos a minha tese intitulada “Provas irrefutáveis de que Paris não aprecia a minha pessoa, dicas práticas de sobrevivência e um pouquinho de ressentimento e mágoa porque sou gestora de redes sociais, mas aparentemente não tenho glamour suficiente para ser como a Lily Collins numa série cliché da Netflix”. Nem acredito que escolhi esta carreira em vão, se soubesse tinha ido para o circo.
Mas voltando ao que interessa: o ranço completamente injustificado que a nação francesa nutre por mim. Em retrospetiva, acho que entrei para a lista negra deles, cerca de 7 minutos depois de pôr o pezinho fora do avião. Acontece que pedir indicações em inglês, até mesmo no aeroporto, é considerado uma ofensa nacional. Se a senhora do posto de informações vos revirar os olhos, mais vale assumir a derrota, implorar misericórdia e procurar refúgio na embaixada portuguesa assim que possível. Se foi isso que eu fiz? Claro que não, continuei a minha jornada completamente alheia aos dados de sofrimento e vingança que tinham acabado de ser lançados.
Foi tudo muito astucioso, cuidadosamente articulado para que a tramoia passasse despercebida. Aliás, só agora, duas semanas mais tarde, sou capaz de reconhecer a monstruosidade de que fui alvo. Então quer dizer, um senhor disfarçado de avozinha atira um bolo à Mona Lisa e eu não estou lá para testemunhar? O Louvre fez claramente de propósito, está farto de saber que tenho um blog, mas preferiu guardar as melhores atrações para 8 dias depois da minha visita. Só por essa, merecem que exponha uma das maiores lacunas de segurança do circuito artístico parisiense: para verem a Mona Lisa de perto basta levarem a perna engessada. E ainda vou mais longe, se precisarem tenho uns contactos no setor hospitalar. E como calha serem os meus queridos progenitores, em princípio alinham nas minhas tramoias fraudulentas.
Passando à próxima provação, o hotel. É sabido, que depois de se andar 14 km, os últimos metros que vos separam de uma cama estão mais ao menos ao nível de uma peregrinação a Santiago de Compostela. Assim sendo, é fácil concordar que não é nada divertido chegar à receção e perceber que estamos no hotel errado. E se já é catastrófico isso acontecer uma vez, à segunda chegamos ao ponto de questionar o sentido da vida. Pois é, caros leitores, num raio de 1 km existem 3 Ibis e nós fizemos questão de os visitar a todos. Só para os vizinhos não ficarem tristes. Entretanto, descobri que em Paris há a módica quantia de 99 hotéis Ibis e não, não estou a exagerar para fins humorísticos. Logicamente esta informação veio desbloquear um novo objetivo de vida: ficar hospedada em todos só para poder escrever uma análise comparativa. Fiquem desse lado para acompanhar os progressos desta minha insensata ambição.
Ainda vos restam dúvidas de que os franceses andaram a conspirar contra mim? Permitam-me então contar-vos a história do pica de Versalhes. Nesta viagem o meu pai revelou-se infoexcluído. Até aqui tudo bem, compreendo o gap geracional e reconheço que o Google Maps possa não ser para todos os públicos. Agora, daí a não saber que normalmente se precisa dos bilhetes para passar nas cancelas de saída dos transportes públicos vai uma longa distância. O golpe iluminado de “vou rasgar os bilhetes para não se confundirem com os que ainda estão por usar” rendeu-nos 5 minutos a vasculhar no lixo. Mas será que este esforço idóneo serviu de alguma coisa? Claro que não. O revisor olhou para o picadinho de bilhetes e disse: “excelente tentativa, mas esses bilhetes não são válidos nesta zona de Paris”. Ainda assim, aquele cheirinho a desespero (ou seria a lixo?) valeu-nos um desconto de família. Pagámos três multas pelo preço de duas e ainda trouxemos os bilhetes de regresso como prémio de consolação. Feitas as contas, quase que compensava. Fica a dica de viagem.
Mas estou a ser injusta, nem tudo foi mau. Ao menos, não estava numa despedida de solteira. Na minha humilde opinião, ir à cidade do amor nessa circunstância é mais ao menos o mesmo que ir para Punta Umbría celebrar a entrada no secundário. Achei a tendência um pouco incongruente, mas cada noiva sabe de si. De qualquer forma, também não sou ninguém para julgar, que para mim o momento alto da viagem foi gritar uma fala do Ratatouille ao passar por dentro de um túnel de bicicleta. Nesse mesmo passeio, fui contra uns 3 arbustos, o que possivelmente conta como tentativa de vandalismo. Mas sinceramente, não tenho pena nenhuma da propriedade pública francesa. Cá se fazem, cá se pagam, Paris.
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