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Não é por causa da caspa dos gatos

  • Foto do escritor: Inês
    Inês
  • 18 de jan. de 2019
  • 4 min de leitura

Decidi fazer uma pausa no estudo intensivo da bela e relevante disciplina que dá pelo nome de teorias da comunicação, para, da forma mais prática e menos metalinguística possível, comunicar com os meus estimados leitores. Poderia escrever sobre vários temas, discorrer acerca dos dilemas da vida, ou lamentar o siso que estou prestes perder. Quem sabe, até desenvolver uma tese em torno do que acontece às meias que sucessivamente e sem qualquer explicação lógica, ficam sem par. Desaparecem, deixando saudade fria nos pés desnudos, algures entre o cesto da roupa suja, um piscar de olhos e a máquina de lavar. Mas assuntos desta relevância, são demasiado sérios para um blog que aspira a ser de humor, por isso vou ter de optar por qualquer coisa mais cómica, política por exemplo. Seria uma excelente opção, não fosse a minha inabalável esperança de ainda vir a receber um telefonema do nosso ilustre Presidente. Marcelinho, querido, vê lá se te despachas, não estou propriamente a ficar mais nova, daqui a umas semanas já faço dezanove, estou perigosamente perto dos vinte, toca a atinar! Posto isto, e porque falar do ovo que bateu recordes na internet, já está muito batido, ou estrelado (desculpem a “piada” terrível), escolhi para protagonista do texto de hoje, uma amiga de longa data. Não posso dizer que seja particularmente simpática, tem sempre o cabelo despenteado, a cair sobre os ombros cobertos por uma blusa amarrotada. Não fala muito, mas quando conversamos acaba quase sempre a gritar. Naquela voz esganiçada dela, que só sabe dar respostas erradas às perguntas certas, ao estilo arrogante de quem pensa que sabe tudo, mas na verdade não sabe nada. É inconveniente, chega sem avisar, entra sem pedir licença. Sussurra-me mentiras ao ouvido e eu às vezes acredito. Está sempre a dizer-me para desistir, para não tentar sequer, de qualquer forma, sou uma falhada incapaz que jamais irá conseguir. Quando me vem visitar, só vai embora do meu quarto depois de me desfazer a cama e espalhar a roupa suja pelo chão. Eu também fico no chão, sozinha, porque é assim que vou acabar, arrasada, porque é assim que mereço estar. Tremo sem ter frio, choro sem lágrimas, grito sem voz. Quero fugir, correr irracionalmente para escapar de mim própria, dela, de nós. Ansiedade, um nome bonito para uma rapariga singela. Às vezes volta à noite, para me lembrar de que a maior escuridão de todas é aquela que vemos com os olhos abertos. Dou-lhe um abraço, inspiro profundamente e asseguro, numa voz pouco convicta, que vai ficar tudo bem. Ela ainda me tenta bater, mas sabe que eu já aprendi a lutar. Sabe que eu sei que os pontapés doem, mas passam. Ficamos as duas em silêncio, a ouvir o meu coração desacelerar, ela esboça um meio sorriso torto, levanta-se sem dizer adeus, vai voltar um dia destes.

Estou certa de que alguns de vocês já terão tido o prazer de a conhecer, não é uma pessoa que passa facilmente despercebida, sobretudo quando anda por aí a distribuir ataques de pânico, stress e inseguranças. Não me posso queixar, sou asmática, por isso já estou habituada às dificuldades respiratórias. Quem lida com alergia a gatos, aguenta também com o antigénio de certas situações da vida. E tenho a certeza de que a arritmia faz bem, é quase como fazer desporto. Se forem profissionais de saúde, por favor prossigam sem comentários. O mais chato é não saber quando é que a amiguinha decide aparecer, normalmente nunca cozinho a contar com ela, mas também, em último caso encomendamos uma pizza. Tudo isto para dizer que a ansiedade, e os aspetos relacionados com a saúde mental em geral, são uma parte de nós, mas não são quem somos. É aterrador, caótico e injusto, mas não é o fim do mundo e definitivamente não precisa de ser o fim de nenhum aspeto das nossas personalidades ou das nossas vidas. Algumas pessoas têm miopia, outras têm ansiedade. Quem me dera que não fosse tão difícil pedir um par de óculos cerebral. Fingir que estamos bem, normalmente só nos faz ficar ainda piores e a verdade é que a vulnerabilidade é um irónico obstáculo no caminho para nos tornarmos mais fortes. Demorei demasiado tempo a perceber e a aceitar isto, não sejam como eu, se estiverem a passar por algo semelhante, falem com alguém. Família, amigos, a estátua do Camões ou até, se tiverem sorte, o Presidente da República. Os psicólogos também são uma opção, que, apesar de intimidante, pode ser uma grande ajuda. Basta pensar neles como desconhecidos sábios, qual ancião de barbas brancas a meditar no topo da montanha. Dizem umas quantas frases inspiradoras, Freud e cenas, e ainda nos oferecem lencinhos, ao estilo herói das crises existenciais que lida com o mal da ranhoca nas horas vagas. Já agora, aproveito para prestar esclarecimentos, acho que é minha obrigação, serviço público, diria até. Primeiro, muito provavelmente não vai haver sofá algum, isso é nos filmes, cá em Portugal usam cadeiras de plástico. Segundo, os psicólogos não são só para “pessoas malucas”, toda a gente devia experimentar nalgum ponto da vida, até os psicólogos. Terceiro, encontrei uma meia há muito perdida. Quarto, tenham uma noite descansada.

 
 
 

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