Mocas da Vida
- Inês
- 5 de abr. de 2019
- 4 min de leitura

Desde já assumo com orgulho o meu talento natural para contrair intoxicações alimentares. Tenho consciência da excentricidade deste meu passatempo, mas ingerir alimentos em vias de putrefação já se tornou uma tradição anual. Não perco nenhum dos artistas em cartaz neste festival que literalmente arrasa com o sistema digestivo. Quer seja uma salmonela acústica, ou uma validade expirada uma pouco mais hardcore, estou sempre batida na linha da frente.
A mais recente edição do Super Grogue Super Rock, contou com a participação especial de uma garrafa de vinho verde, acompanhada pela orquestra dos espinafres estragados. Podem até ser da mesma cor, mas definitivamente não combinam nada bem. Eu achava, que depois do jantar ia para uma festa dançar até morrer, mas aparentemente quem morreu foi a minha disposição. Pensando bem, este crime bárbaro de que foi vítima o meu organismo, era relativamente previsível, não fosse o nome da festa Bandida. E assim se passaram os últimos dias, no sofá, a comer canja sem galinha e a refletir sobre os assuntos pertinentes que servem agora de inspiração para este texto. Foi no recobro da minha sala de estar que formulei os princípios básicos da teoria das mocas. Ora, passo a explicar, por favor atentem neste pedaço de genialidade. Admito que o rigor científico pode até ser questionável, mas pelo menos assegurei as questões linguísticas. Abstenho-me de mencionar as fontes por questões legais, mas não duvidem da credibilidade das mesmas. Este blog só trabalha com entidades conceituadas, prometo solenemente com o meu mindinho. Passo então a citar: uma moca é uma “coisa muito engraçada”, uma “tolice”, ou ainda, um “pedaço de madeira que serve de arma”. Serve a aprovação do todo poderoso dicionário, para validar o fenómeno da moca, conceito fundamental desta tese. Caros leitores, vamos dar as mãos e prosseguir juntos a alucinante jornada do conhecimento.
A origem da moca remota aos primórdios da humanidade, logo depois da extinção dos dinossauros e mesmo antes do Trump se tornar Presidente. Aconteceram outras coisas pelo meio, mas destaco estes dois acontecimentos por serem particularmente catastróficos, o segundo mais que o primeiro, evidentemente. No começo dos tempos, a moca era usada para caçar e ainda, uma consequência da dieta paleolítica. Isto porque os amiguinhos se alimentavam de raízes e não havia cá ASAE para fazer o controlo de qualidade, se fossem uns quantos cogumelos lá pelo meio, estava tudo bem na mesma. Mas vamos lá ter calma, que Lisboa não é Amesterdão e eu nem gosto particularmente do Snoop Dogg. Guardem as garrafas, os cigarros e outras coisas potencialmente engraçadas, neste blog não há cá faltas de compostura. Se se querem rir leiam os textos de um humorista qualquer, os meus também dão, mas só têm piada às vezes, muito ocasionalmente, quase nunca para dizer a verdade.
Mas vinha mesmo era reclamar das mocas alternativas, as substâncias ilícitas são para os básicos. Temos a moca da doença, que se traduz numa angustiante bipolaridade corporal. A do sono, que me leva a confundir o João Pestana com a minha professora, que se chama Maria João. E a da cafeína, recorrente entre os fãs das diretas a estudar e aficionados pelo George Clooney. Não podia deixar de mencionar a moca da fome, popularizada pelos senhores do departamento de marketing da Snickers e pela minha colega de casa, que oferece comida a toda a gente, porque tu não és tu quando tens fome. Depois há aquela que as grandes massas carinhosamente apelidam de estar apaixonado. A Maya prefere a designação de carta da rainha de copas, mas acho que isso se insere melhor na categoria dos mambos astrais. Mas voltando à moca dos pombinhos enamorados, quando Camões escreveu que “amor é fogo que arde” sem se ver, estava a falar de uma ganza invisível de sentimentos. Só para terem noção da complexidade do órgão que nos bombeia sangue e drama pelo corpitcho fora.
Termino com um caso peculiar, tão urgente que devia ter sido enviado por correio azul, mas acho que a internet não funciona assim. A moca da senhora que trabalha nos correios. As nossas vidas cruzaram-se num banal balcão de atendimento, nesse posto dos CTT que selou o início de uma linda relação. Desde logo percebi que a senhora é daquelas que leva a profissão mesmo a sério. Tanto, que um dia decidiu enviar a capacidade de sorrir por encomenda sem esperar resposta ou aviso de receção. CTT na verdade quer dizer, calar tudo e todos, tal é o desespero causado pelo tempo passado na fila e a qualidade do caloroso atendimento. Só enviei cartas duas vezes e tive o prazer de ser atendida pela mesma senhora, gostava que ela lesse o meu blog. Queria pedir-lhe desculpa por lhe ter feitos perguntas, vacilei, mas sou apenas uma jovem confusa que não sabia bem onde se escreve o destinador e o destinatário. O envelope tem quatro cantos, não consegui lidar com a pressão. Pessoalmente, responsabilizo a pessoa que inventou o email. Enfim, talvez a senhora dos correios processe a correspondência para o Pai Natal com a ajuda de uma trituradora. Nunca saberemos, mas viverei sempre na esperança de que ela sofra da moca da Coca-Cola, pelas crianças e pelas renas. Não há de ser por acaso que os uniformes dos correios são vermelhos, faz tudo parte da conspiração de Natal e da teoria das mocas. Oiçam o que vos digo, o Carteiro Paulo, os duendes e os dealers, estão todos feitos com o governo.
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