Linda, loira e maravilhosa
- Inês
- 9 de dez. de 2018
- 3 min de leitura

Nunca estive num confessionário, mas já fui ao cabeleireiro, o que é quase a mesma coisa. A verdade é que o salão da, “inserir nome da cabeleireira” que à falta de melhor opção decidiu ir buscar inspiração à sua certidão de nascimento e resolver assim o problema do nome do negócio, é provavelmente o principal concorrente da igreja local. A Maria Penteados, nome escolhido tendo em conta os rigorosos estudos estatísticos que colocam Maria em primeiro lugar no que toca a profissionais do ramo capilar, pode ter optado por substituir a bíblia por um catálogo duvidoso com penteados que em teoria ficam bem a toda a gente e na prática favorecem aproximadamente ninguém, mas não deixa de ter o seu valor. Afinal a suas intenções são puras e suas motivações nobres, são anos de intromissões na vida alheia e opiniões com evidente conhecimento de causa. Uma vida a pregar acerca dos champôs milagrosos, por coincidência caros e à venda no salão, e a condenar o pecado das pontas secas e espigadas e os cabelos brancos escandalosamente naturais. E se a vertente religiosa não for ocupação suficiente, estes especialistas em células mortas que nos brotam da cabeça, têm também competências na área da investigação policial e quem sabe, da psicologia. Desde os escândalos familiares às crises existenciais, passando pelo mapa astral e alguns factos aparentemente irrelevantes, entre tesouradas e arrependimentos, eles ficam a saber de tudo. Bastava quererem e podiam começar uma organização secreta, qual CIA da caspa e dos mexericos confessados. De facto, agora que penso no assunto, acho que a polícia devia começar a interrogar os cabeleireiros dos suspeitos, nunca se sabe o que pode escapar durante um alisamento integral. Não me interpretem mal, eu tenho um carinho enorme por lavagens ao couro cabeludo, fazem-nos o cabelo brilhante com o extra de uma distensão no pescoço. O meu diversificado histórico capilar não me deixa mentir, cortar o cabelo é um ritual trimestral, infelizmente incompatível com o meu sonho de chegar ao comprimento da Rapunzel, em compensação, de manhã tenho o volume do Rei Leão. Por falar em filmes de animação, se o pessoal da Disney, da Pixar ou da Marvel me estiver a ler, aparentemente agora é tudo o mesmo, por favor tenham a bondade de criar uma princesa com o cabelo curto, a diversidade de etnias é apreciada, mas já pensavam num visual alternativo. Linda, loira e maravilhosa vende muito bem, mas na vida é preciso arriscar, experimentem um escadeado pelos ombros, mais que não seja pela coitada da Branca de Neve, que se deve sentir excluída e fora de moda. Nem toda a gente tem a paciência e a estabilidade emocional para ter longos cabelos esvoaçantes de cores exóticas e hidratação acima da média e não me venham com tretas, a bela adormecida não acordou assim. Uma pessoa já tem complexos suficientes, não precisa de anúncios com cabelos à prova de gravidade e fenómenos naturais em geral. Não vou mentir, eu própria já tomei decisões questionáveis, fraquejei, mutilei brutalmente os fios que me cobrem o crânio na ilusão de que isso me faria feliz. Foram dias difíceis, fotos que preferia apagar, memórias que por algum motivo transcendente partilho agora com a internet. Tempos houve em que aspirei a membro dos Beatles, ao estilo tigela ambulante a tentar ser arrojada, não satisfeita decidi fazer franja, não foi bonito, aprendi uma lição, o cabelo volta a crescer, a dignidade não. Anos mais tarde tentei imitar a cor da Rose do Titanic, mas só consegui afundar ainda mais a minha credibilidade. Mais recentemente passei por dois momentos icónicos no cabeleireiro, o primeiro remonta ao dia do meu baile de finalistas, em que quase comecei a chorar após três tentativas falhadas de conseguir um penteado decente, não me julguem, o glamour subiu-me à cabeça, infelizmente não de uma forma literal. E o segundo passou-se numa bela manhã de julho, em que triste e perdida na vida, decidi, sem aviso ou reflexão prévia, cortar o cabelo pelo queixo, tudo isto após uma noite dramática e uma manhã no mínimo bizarra. Agora só me falta mesmo a permanente e a cor invulgar, talvez 2019 seja o ano do loiro platinado, mas espero não ter de tomar medidas tão drásticas. Termino com uma nota para a comunidade cabeleireira que neste momento já deve estar a afiar as tesouras e as forquilhas para virem atrás de mim. Só queria dizer que o vosso trabalho é louvável, vocês ajudam as pessoas a sentirem-se melhor, amuos entre casais porque ele não reparou na micro alteração no cabelo dela à parte. Gosto mesmo muito de vocês, por favor não me escortinhem o cabelo da próxima vez que vos visitar.
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