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Hipocondria miudinha

  • Foto do escritor: Inês
    Inês
  • 27 de ago. de 2018
  • 2 min de leitura

Atualizado: 29 de ago. de 2018


Não sei se foi bruxaria, desígnio divino ou simplesmente destino, mas estou condenada a viver com enfermeiros. Sou uma descendente orgulhosa de progenitores de bata branca, dessa espécie implacável que habita os hospitais e os nossos pesadelos na altura de levar vacinas. No entanto, é bom clarificar que eu de hospitais só quero distância, acho que seringas, bicharocos microscópicos e fluidos corporais em geral, não são muito o meu estilo, mas gostos não se discutem. Após 18 anos incríveis a usufruir de serviços exclusivos, como a requintada unidade de soro ao domicílio, que à falta de melhor suporte ficou pelo cabo da vassoura, com a vantagem de limpar simultaneamente o organismo e a casa, eis que chegou o momento de partir. Mas depois de tantos anos a ouvir as narrativas épicas vividas entre paredes esterilizadas, depois de tantas greves que não deram em nada, depois de ter aprendido as 367 maneiras de referir as partes íntimas de uma mulher, uma pessoa não quer mais nada. E é por isto que vou viver com uma aspirante a enfermeira, não ia aguentar a normalidade de desfrutar de uma refeição sem mencionar doenças desconhecidas, a saudade dos casos anormais e dos doentes insuportáveis, a ausência dos relatórios diários do estado de cicatrização das mais diversas feridas. Admito que gostava de ter tido a oportunidade de fingir padecer de um mal qualquer e faltar à escola para variar, mas suspeito que isso só resulta nos filmes. Apesar de tudo sou feliz, chega uma altura em que nos habituamos àquela hipocondria miudinha, passamos a apreciar as refeições sempre saudáveis e as idas ao supermercado que nos levam a concluir que se não queremos ter cancro é melhor nem comer. Nada substitui as queixas, muito válidas por sinal, acerca do salários que só sobem em duas circunstâncias: nunca e em sonhos, vai acontecer, só não se sabe bem quando, para não estragar o suspense. Tenho pena daqueles que veem a Anatomia de Grey e não tem uma vozinha de fundo a apontar os erros técnicos e a criticar o facto de só haverem médicos a trabalhar, porque toda a gente sabe que é assim que funciona na vida real. E lamento o potencial artístico que está a ser desperdiçado, se eu fosse à TVI esquecia a Casa dos Segredos e experimentava um formato mais humano: intrigas, sangue, confrontos entre classes profissionais. 24h em direto com a única desvantagem das instituições públicas não terem o glamour de uma herdade, mas com jeitinho fechava-se mais umas camas num internamento, que isso não faz falta nenhuma, e fazia-se um confessionário. Se acham que as novelas são complicadas, experimentem ouvir os meus pais a conversar sobre trabalho, mesmo com o resumo dos últimos capítulos não se consegue acompanhar. Termino, expressando a minha certeza de que se casar será certamente com um enfermeiro, é que nem tenho outra opção. Esqueçam as discotecas, os clubes e os bares, eu vou mas é para a porta do ESEL.


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