Forças de regulação de italianices
- Inês
- 2 de out. de 2019
- 4 min de leitura

Cari lettori, aqui estou eu, viva e regressada, a reclamar o título quase perdido de autora de um blog. Não vos deixei por escolha, acreditem que o que eu mais queria era voltar, mas eles não deixavam. E por mais dias que passassem, por mais semanas que visse riscadas nas paredes húmidas e sombrias que me encurralavam a liberdade, nunca me esqueci de vocês. Fui finalmente resgatada do pesadelo. Voltei, definitivamente mudada, provavelmente mais estúpida. Passo a apresentar a versão resumida dos factos. Basicamente, eu fui raptada pelas forças de regulação de italianices. FRI, uma cooperação privada patrocinada por diversas marcas de esparguete. Lê-se como a palavra "free", mas no inglês macarrónico que eles usam lá para os lados da bota. Podia fazer um trocadilho barato com macarrão, mas este é um assunto sério e a comida em Itália é cara.
Enfim, acontece que os tipos receberam uma denúncia anónima a informar que eu reclamo muito da vida aqui no blog. Ficaram com medo que eu parlasse os segreti da sua amada nação e resolveram mandar uns tipos. É o chamado rapto preventivo, nada de mais, um interrogatório ou outro, uma queimadura aqui e acolá. Na prática, tive de me confessar no Vaticano e serviram-me pizza esturricada. Até foi giro, não é qualquer pessoa que se pode gabar de já ter estado amarrada no porta bagagens de um Fiat cinzento da década de 90. Eu também não posso, mas achei que ficava bem no clima de alta tensão criminal que estou a tentar criar. Juro que a FRI é real e não uma instituição fictícia baseada em estereótipos e clichés italianos. Prometo que fui mesmo refém de um casal da máfia que é dono de uma pizzaria e recebe telefonemas do Papa. O Giovanni é completamente real, não é uma desculpa esfarrapada para justificar a minha ausência prolongada causada apenas pela falta de organização. Acreditem quando vos digo que ainda tenho pesadelos com o Pinocchio. Aparentemente, a carreira de menino de verdade deixou de ser suficiente e o tarolo de lenha mais queridinho da Disney tornou-se num especialista em detecção de mentiras. Era tudo muito giro até o tipo deixar de se contentar com grilos falantes e passar a preferir reféns a falar. Foi ele que descobriu que eu gosto de ananás na pizza e, como é óbvio, aproveitou logo para espetar farpas na minha reputação. Já devia saber que compreender madeira não é fácil, as horas a montar móveis da IKEA não me deixam mentir. Mas não estou aqui para expor suecos ou qualquer outro povo nórdico, por enquanto esse tema fica a demolhar.
Podia prosseguir este texto com uma detalhada descrição dos meus raptores, podia falar-vos dos bíceps salientes do Giovanni, completamente tatuados. Relembrar os cabelos crespos, penteados com gel, e a pele morena, que emoldurava os olhos com sede de matar. Falar-vos-ia da cicatriz na bochecha esquerda e das marcas cruas no pescoço. Lembro-me tão bem da t-shirt preta com padrão de cornucópias douradas, justa. Para não falar da bolsa Gucci assente sobre os calções verde tropa que cobriam a cintura robusta. E os sapatos, nunca vou esquecer o par de Dolce Gabana cujo passo servia de banda sonora aos meus pesadelos. Mas não vos quero maçar com pormenores, não seria interessante contar-vos acerca daquele homem alto que devia ter quase 50 anos. Muito menos expor a bizarra relação dele com a namorada, uma jovem bronzeada de olhos azuis rasgados. Considero irrelevante referir a saia de ganga justa, as combat boots e os lábios rosa velho, cheios de batom e enchimento. Não é de todo a minha intenção aborrecer os leitores, muito menos com personagens claramente inventadas. Ou talvez não seja esse o caso, talvez o Giovanni e a Francesca sejam tão somente um casal com preferências estilísticas questionáveis, com quem me cruzei algures no metro de Roma. O leitor que decida em que versão prefere acreditar. Das duas uma, ou a FRI existe, ou estive de férias com a minha família em Itália. Todos sabemos qual é a opção mais credível. Agora que já estamos em outubro, posso declarar oficialmente que o momento mais icónico do meu Verão foi mesmo quando a minha irmã se sentou no chão da Basílica de São Pedro e disse: “Desculpe, senhor Papa, mas vou ter de me sentar na sua igreja”. De resto, posso dizer que há todo um potencial de mercado por explorar na Santa Sé, o Holy Dust™, que é uma forma educada de dizer: “Desculpa lá, ó Itália, mas Fátima ao menos é limpinha”. E por amor de Deus (passe a expressão), sejam coerentes. Quer dizer, têm todo um livro a maldizer as bestas e falsos profetas que acabam a fazer sauna no -1 da terra, mas depois decidem recriar o inferno no Museu do Vaticano. Compreendo, não devem ter dinheiro para instalar ares condicionados. É o que se tem. Ao menos, o meu puto Francisco seria incapaz de não atualizar o seu blog durante cinco meses, aliás, isso é o oitavo e pouco difundido pecado capital. Absolvei-me, criaturas da blogosfera e eventuais familiares que ainda lêem o que eu escrevo. Prometo voltar com ideias vadias sobre países da europa e a vida em geral. Por enquanto, deixo-vos com uma nota de otimismo, que é também um alerta de segurança rodoviária. Em Itália, até eu tirava a carta à primeira.
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