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Chocolate e conversas estranhas

  • Foto do escritor: Inês
    Inês
  • 22 de ago. de 2018
  • 3 min de leitura

Atualizado: 23 de ago. de 2018


No outro dia fui às compras com os meus primos, tarefa banal que depressa se tornou interessante e reveladora, não fosse a tenra idade das criaturas. Estávamos à procura de chocolate, mas a maior doçura de todas era sem dúvida a curiosidade infantil. As perguntas de sempre, cujas respostas já tenho memorizadas, as histórias do costume e as narrativas empolgantes sobre as tragédias que lhes deixaram marcas de guerra, um arranhão aqui, uma ferida acolá. Contavam tudo quais heróis da nação, orgulhosos das suas façanhas e do número exagerado de visitas ao hospital, jurando a pés juntos que não tinha doído e que partir um braço é tão fácil como andar na bicicleta responsável pela situação. Estávamos nisto quando um deles decidiu perguntar a minha idade, não fosse eu ter ficado mais velha nalguma das últimas horas. Repeti a informação na expetativa de que ele chegasse mais uma vez à revelação chocante de que eu sou mais velha que a minha irmã. Mas, para meu espanto, contra-atacou com novo interrogatório. De repente, o meu primo de 7 anos, ficou interessadíssimo na minha vida amorosa, intrigado com o facto de a prima de 18 anos não ter namorado. Coitadinha da rapariga, vítima de tão grave calamidade, tinha de haver um motivo, uma explicação transcendente qualquer, que uma desgraça daquelas não podia ser. Com a minha idade já devia ter o vestido de noiva escolhido e o casório marcado. Quando ele quis saber os mas e os porquês, brinquei com a situação numa evasão desesperada. Ri para não chorar, porque o que a inocente criança ignorava, é que o namorado em questão existia há menos de uma semana, tínhamos acabado há uns dias. Que altura perfeita para ter conversas profundas sobre o amor, ainda por cima com um especialista no assunto, cheio de lucidez e certezas próprias da idade. Afinal, 7 anos de existência, um belo par de olhos azúis e uma extensa lista de “namoradas”, são todos os requisitos necessários para se abrir um consultório sentimental. Rematei a conversa virando o feitiço contra o feiticeiro, o meu primo também não tinha namorada, mas obviamente ele tinha desculpa e não perdeu tempo a apresentar a elaborada justificação. Disse-me que ainda era muito novo, não estava pronto para estar numa relação, que por agora preferia jogar à bola a dar pontapés no coração. E o assunto ficou por ali, deixando-me numa melancólica introspeção, ainda não me tinha apercebido da irónica conspiração astral, das conclusão a tirar deste delicioso episódio.

A brincadeira ainda me pôs a pensar sobre as concepções que temos acerca do amor, deste pequeninos ouvimos que a princesa precisa de encontrar o príncipe encantado e depressa a maioria das raparigas começa a sonhar em casar. Namorar torna-se assim uma espécie de implícita obrigação, que nos fascina na infância e atormenta na adolescência. É esperado que nos apaixonemos, a partir de uma certa idade é um tema recorrente entre amigos e, para desespero de alguns, tópico a abordar nos almoços de família, xeque-mate do jogo entre os nossos parentes cujo objetivo é fazer-nos corar. Resta-me concluir que a sociedade, o meu primo e a minha família em geral, podem ir fazer perguntas para outro lado, não há nada de errado em estar solteiro, não é triste nem indesejável, mas sim normal, inevitável e por vezes até necessário. Termino anunciando destroçada, que nunca chegámos a encontrar o chocolate, isso sim é uma tragédia digna de atenção, afinal já tinha o gelado, os lencinhos e o Diário de Bridget Jones prontos para o serão. Uma pessoa até tenta ser solteira como deve ser, mas isto não anda fácil, se nos distraímos ainda passamos a cota da felicidade diária e depois não há canção lamechas que nos safe. É melhor ir à livraria e comprar a coleção completa dos livros do Nicholas Sparks que, como diz o ditado, mais vale prevenir do que remediar.

 
 
 

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